terça-feira, 7 de junho de 2011

Vacinas do futuro


Edição da Nature mostra a importância da imunização para prevenir e erradicar doenças, mas alerta que novas estratégias precisam ser desenvolvidas contra males como a AIDS, a TUBERCULOSE e a malária. Novidades devem sair dos laboratórios na próxima década.

Teste de vacina contra a malária no Quênia: mais da metade dos casos da doença ocorrem no continente africano, e as crianças com menos de 5 anos são as mais afetadas.
Até o século 18, a varíola era uma doença letal. Ter as marcas das temidas bexigas espalhadas pelo corpo era quase assinar o próprio atestado de óbito. Somente na Inglaterra, 10% da população morreu nos anos 1700 devido à infecção pelo orthopoxvirus. Então uma descoberta mudou a forma como o mundo lidava não somente com essa moléstia, mas com todos os outros males transmitidos por micro-organismos. O médico britânico Edward Jenner observou que pessoas infectadas por um vírus bovino muito semelhante ao da varíola, o cowpoxvirus, estavam imunes contra a forma letal da doença. Em 14 de maio de 1796, ele fez um experimento que revolucionou a medicina: retirou uma pequena quantidade de sangue de uma mulher doente e inoculou a amostra em uma criança. Ocorria a descoberta da vacina.
Passados 215 anos, a varíola já não preocupa a saúde pública. Ela foi considerada erradicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas outras doenças precisam urgentemente de estratégias semelhantes, dizem cientistas na edição de hoje da revista Nature. Um especial sobre imunologia reflete os avanços e os desafios da área, elegendo três doenças prioritárias para o desenvolvimento de vacinas: AIDS, malária e TUBERCULOSE. Juntas, elas provocam mais de 5 milhões de mortes anuais em todo o mundo.
Confinados em seus laboratórios, pesquisadores têm buscado incessantemente uma resposta rápida de prevenção a esses males. Apesar dos esforços, ainda não se chegou a um produto eficaz. Mas, na próxima década, o cenário pode mudar. "Novos avanços conceituais e tecnológicos indicam que será possível desenvolver vacinas contra essas doenças em 10 anos. Esses avanços incluem novos regimes de imunização prime-boost (doses de reforço sucessivas à primeira vacina), novos adjuvantes (compostos farmacêuticos), bem como novos métodos de apresentação de antígenos", escreveram na Nature Rino Rappuoli e Alan Aderem, pesquisadores da Novartis Vacinas e Diagnósticos da Itália e do Instituto de Pesquisa Biomédica de Seattle, respectivamente.

Novas abordagens

Os cientistas defendem que o sucesso do desenvolvimento de vacinas inovadoras depende, em grande parte, da "habilidade de usar novas abordagens", além de aumentar a quantidade de ensaios clínicos. Graças aos avanços das pesquisas sobre o DNA e na área de biologia molecular, o desafio pode ser vencido, acreditam Rappuoli e Aderem. No artigo, eles lembram que as vacinas contra o vírus da AIDS começaram a ser desenvolvidas ainda na década de 1980. Dez anos depois, iniciaram os testes que falharam. Os cientistas observaram que, in vitro, os anticorpos da imunização neutralizava apenas a cepa usada para a produção da vacina. Eles não combatiam uma das características mais brutais do vírus: sua diversidade genética.
"Foram fracassos atrás de fracassos, que sempre esbarraram em diversos problemas, como baixa eficácia e ampla resistência do HIV. Mas tentativas estão sendo feitas para alcançar novas estratégias mais positivas", afirma ao Correio Alan Aderem. É o que vem acontecendo nos laboratórios vinculados a um consórcio internacional de pesquisas para combate ao HIV. Os cientistas trabalham no desenho da primeira vacina de mosaico - composta por sequências sintéticas de proteínas que combatem a variedade genética do vírus.
"As vacinas tradicionais contra o HIV são desenhadas para que o sistema imunológico reconheça os aminoácidos específicos existentes nas proteínas dos vírus", conta ao Correio Barton Haynes, diretor do Centro de Imunologia e Vacinas para HIV/AIDS da Universidade de Duke, que lidera o consórcio. "A nova abordagem, porém, é composta de muitas sequências cridas em computador que podem fazer com que o organismo responda à grande variedade de cepas do HIV", explica. Ele diz que a expectativa da equipe é já começar os testes em humanos no ano que vem. "Estamos muito empolgados, pois os ensaios em animais foram muito promissores", diz Haynes.
Edgard Garrido/Reuters - 23/3/10
Vacinação em Honduras: cena que se tornou comum no mundo graças à descoberta da imunização, há 215 anos

Reengenharia

No caso da Mycobacterium tuberculosis, o bacilo responsável pela TUBERCULOSE, já existe uma vacina, a BCG, desenvolvida há um século. Apesar de evitar o contágio e a mortalidade em crianças, a imunização é incapaz de proteger adultos e idosos. Em todo o mundo, cerca de 6 bilhões de pessoas são portadoras de uma infecção latente que, em 10% dos casos, evolui para a doença ativa. O futuro do combate à doença pode estar na reengenharia genética, sugerem os autores.
Apesar de associada aos poetas do romantismo, movimento literário do século 19, a TUBERCULOSE ainda é uma doença contemporânea. Mesmo a Inglaterra, a terra de Lord Byron, talvez o principal expoente do mal em sua época, ainda registra 9 mil casos por ano, com um aumento de 50% na incidência desde 1999. No Brasil, a partir de 1990, a prevalência da TUBERCULOSE diminuiu 26%, com queda de 32% na taxa de mortalidade, mas ainda surgem 72 mil casos por ano, com 4,7 mil mortes em decorrência da doença, de acordo com o Ministério da Saúde.
O Instituto Nacional de Coração e Pulmão do Imperial College de Londres vem trabalhando para erradicar o mal. Há dois meses, o professor Ajij Lalvani, que lidera o projeto, publicou um artigo descrevendo uma descoberta que poderá acabar de vez com a TUBERCULOSE. Os pesquisadores identificaram uma proteína, a EspC, que desencadeia uma forte resposta imunológica em pessoas infectadas pela Mycobacterium tuberculosis. "É a resposta mais rápida já provocada por qualquer outra molécula conhecida", comemora Lalvani, em entrevista ao Correio. "Essa proteína é secretada pela bactéria da TUBERCULOSE, mas não pela vacina BCG. Como resultado, essa vacina não induz uma resposta imune à EspC. Então, ao desenvolvermos uma nova vacina podemos combater melhor a doença", diz.

A edição especial da Nature também faz um alerta. De nada adianta os cientistas se esforçarem para obter novas vacinas se médicos, enfermeiros e a população em geral não entenderem os benefícios e mesmo os riscos associados à imunização. Uma pesquisa feita na Comunidade Europeia mostrou que um quinto dos pais têm dúvidas se vacinam ou não seus filhos. "As estratégias têm de focar os grupos em que os ganhos reais podem ser feitos: os pais que têm dúvidas mas se preocupam também, mais do que aqueles que se recusam terminantemente a vacinar as crianças", escreveu na revista Julie Leask, do Centro de Imunização da Universidade de Sidney.

Menor proteção

Durante um congresso da Liga Europeia contra o Reumatismo, foi apresentada, ontem, uma pesquisa da Universidade de São Paulo mostrando que pacientes de reumatismo respondem menos à vacina contra o vírus H1N1, causador popularmente chamada gripe suína. Um estudo sobre a eficácia da imunização em 340 portadores de reumatismo e 234 pessoas saudáveis mostrou que a eficácia da vacina é 20% mais baixa no primeiro grupo.

Joseph Okanga/Reuters - 15/12/10 

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